sexta-feira, 19 de abril de 2013

Opostos



O santo só tem olhos para o céu.
Não lhe parece bem desviá-los para o cubículo onde uma dor vive.

Ele quer chegar onde ela anseia viver. 
A ambição de se elevar nos astros não a deixa  dizer que a dor daquela dor foi a de o ter olhado.

O santo não julga, mas pode fingir que não há dor.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Demolição



Duas horas de luz que a minha inércia concedeu. Ontem foi assim, anteontem também.

Procurei  um livro  que me ajudasse sobre o que não sei. Vim dar a estas grades.

Acostumada que estava às varandas dos meus dias iluminados, expludo em lágrimas por ter partido não sei para onde. E não há nada a fazer.

Retiraram-me do mercado por falta de compradores.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Porque vos amo

 A estória das galinhas da minha vida.
❤♡♥♡♡♥♡❤

Tudo começou com Clarinha e o seu olhar  diferente do de todas as franguinhas que estavam na feira.
Eu queria passar longe das gaiolas, que usualmente estão lotadas e sem condições nenhumas para os animais ficarem as horas necessárias para o negócio, mas Clarinha sobressaiu por estar a leste  daquele burburinho de penas o que me "forçou" a parar...
A pouco e pouco foi empurrando todas as outras até chegar perto da grade e do meu dedo. Não fez nada. Fixou-me para mim muito séria, primeiro de frente depois de perfil ligeiramente inclinado.
Os seus olhos brilhantes apagaram  tudo o que havia à minha volta e levei-a para casa naquela manhã de 8 de Março.


Clarinha da estrita observância
--❦--❀
Toininha estava numa loja de artigos agrícolas e os seus vocalises chamaram-me de longe.
Andava na extremidade da enorme superfície à procurava de uma cerca de madeira para a casa de Clarinha quando decidi ir ver quem era a dotada de tanta variedade vocal. Mais uma vez o gaiolão estava cheio de galinhas, galos e frangos e para ter a certeza de qual delas saía tal cantoria experimentei uns cacarejos que memorizara minutos antes. A resposta foi imediata. Veio de asas semi-abertas,  abrindo caminho num passo bamboleante, numa cantilena que se juntou à minha. Reparei que a parte superior do biquinho estava partida. Assim que o funcionário entrou no recinto apressei-me a declarar que a levava sem dar mais espaço à estranheza da sua expressão. Uma mulher a cacarejar para uma galinha não seria normal, mas para mim foi o encontro com a penuda mais especial da minha vida.

Tornou-se amiga inseparável de Clarinha.

Dormiam empoleiradas muito juntinhas, esgravatavam em duo, passeavam por entre as couves asa com asa, atiravam-se aos vegetais picados com farelo e milho na mesma gamela embora cada uma tivesse a sua.

Gostou sempre de ouvir música. Cheguei a tocar para ela e nunca deixou de fazer os seus coros para mim. 

Toininha cantadeira
 ●~*

Entretanto tinham chegado ao galinheiro a Lua, a Estrela e a Gema. Esta era a mais tímida de todas. Isolava-se e enervava-se com o jeito desconfiado e mandão das duas primeiras. A Lua era a que mais refilava na hora da comida e esvoaçava sobre as outras. Um dia esvoaçou demais (foi a conclusão que tirei) e foi parar junto do Sírius. Percebemos que não a tendo comido terá só querido brincar com ela, matando-a. Foi um desgosto imenso. Chorei sentidamente com a visão da Lua deitada por baixo da nespereira de pescoço partido.

Passado uns tempos a Estrela deixou de comer. Aninhava-se na cama de palha e ficava absorta. Levei-a ao veterinário, não queria mais mortes no galinheiro. Receitou-lhe um remédio para juntar à água. Desconfiava que seria um parasita e o tratamento consistia em limpar-lhe o aparelho digestivo a fim de o expulsar. Ficou em casa, na transportadora. Dias e dias de vigia. Melhoras começou a tê-las, já comia com mais gosto. Preparava-lhe uma mix especial de vegetais da horta com milho e farelo. Cada vez melhor. Senti-a saturada da transportadora e levei-a para o galinheiro.  Vigiei-a e vi-a passear, debicar, beber água... Fiquei feliz. Horas depois encontrei-a morta, perto do poleiro, espojada no chão. Foi um choque. Chorei que me fartei. Liguei ao veterinário, queria uma explicação para o que acontecera, mas não houve nenhuma.


Lua e Estrela


A Gema adorava ir para a horta e eu não me importava nada que bicasse as courgettes, as alfaces, as couves, que passasse por cima dos tomateiros, ela era  feliz na sua timidez e eu não interferia. Ela era do campo. Por vezes chamava-a para lhe dar milho, mas só o ia buscar quando eu me afastava. Ao fim do dia recolhia-as para o galinheiro, mas comecei a achar estranho encontrá-la lá dentro sozinha. Teria ela  encontrado uma passagem que a levasse até lá? As redes não tinham buracos... a  cerca de madeira era alta e sem espaços por onde ela pudesse passar.

Dias depois viram-na voar como um pássaro da horta para o galinheiro, passando por cima da cerca, das redes e do Sírius. Gema já era grandinha, comia bem, punha  ovos lindos. Nesse dia do vôo fatídico viram também o salto de parkour que o Sírius deu, atingindo-a em cheio. Não lhe mordeu, mas  matou-a de susto. Chorei desalmadamente pela tão pouca sorte da Gema. Chorei pelo estado de confusão do Sírius.


Gema dos campos


Tempos depois ofereceram-me a Nefretite. Não nos escolhemos. A mão de quem a tirou do poleiro da quinta onde vivia decidiu-se por ela, por ser pedrês, adulta e bonita.  Ela não gostou e eu também não de a ver debater-se contra aquela decisão. A vida tem coisas assim... por lá andava um galaró que atacava todas as galinhas. Uma delas andava toda arranhada e eu perguntei o que poderiam fazer para o acalmar. Nada. Amanhã iria para a panela. Fiquei gelada. 

Na viagem de regresso jurei a Nefretite que NUNCA mais seria incomodada por galarós grandes ou pequenos, que no galinheiro reinava o sossego e eu só gostaria que me desse os seus ovos quando os pudesse pôr. 

Não me esqueço do que senti. Não me esqueço do que sinto. 
Amo cada uma delas por tudo o que são e pelo que acrescentaram à minha vida.


Nefretite casta diva

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Gatinhos de rua

Mesmo os que desejam deambular para conhecer o mundo deviam ter um lugar onde pudessem  descansar e repôr forças que todos os guerreiros da vida necessitam.
    Todos os gatinhos de rua deviam ser amados.

    Mesmo os que desejam deambular por vontade da sua natureza felina deviam ter um lugar onde pudessem descansar e repôr forças que todos os guerreiros da vida necessitam.

 Estes seres notáveis são guerreiros em cada segundo que sobrevivem. 
  Alguns têm a protecção de alguns humanos mais sensíveis que não se esquecem de colocar  água e comida num qualquer cantinho da rua.

   Outros não têm a mesma sorte. Entregues a si próprios e pior que   isso entregues à malvadez da ignorância humana...

    ... já souberam o que era ter uma casa ou uma família e sem saberem porquê estão sozinhos, abandonados, não são mais aquela coisinha fofa que em tempos diziam que eram. 
Cresceram ou adoeceram e deixaram de ter piada.

   Encontro muitos olhares como este. 

   Os gatos não são traiçoeiros, nem maus, nem falsos, nem diabólicos. 

   Têm emoções que transmitem com uma fidelidade desconcertante. Não dissimulam, não são invejosos, não mentem. 

   Olham-te como te vêem. 

    No meio do caos humano afectivo podem ser a paz que nunca sentiste e o riso que nunca foste capaz de dar por falta de um bom motivo.

    A sua inocência é comevedora e a forma como se conecta à que perdemos pode ajudar a revelar o que há de melhor em nós.

    Gatinhos deixados ao acaso porque já nasceram assim ou porque os quisemos assim, são responsabilidade nossa. O que podemos fazer?

    Esterilizar para não haver mais errantes que ninguém quer ver... tirar das ruas e adoptar os que carecem por um lar. Debater-nos por leis que o atraso de uma certa mentalidade demora a aprovar.

    Para que olhares como este não se apaguem no minuto a  seguir.


    Olhares que nos lembram que um dia fomos todos iguais.

    O que foi que perdemos?